Recentemente fiz um hangout em conjunto com todos os membros do Portal Patologia da ATM e surgiram muitas perguntas interessantes (e inteligentes), como a que foi feita pelo Marcelo Zanotto e que eu havia prometido responder ao longo da semana lá no facebook, mas achei melhor criar essa postagem aqui esclarecendo com maior detalhes. Segue a pergunta:
Bom, na verdade são duas dúvidas:
- O que seria o bom funcionamento mesmo com os discos deslocados e
- O que acontece com os estalos.
A segunda depende do esclarecimento da primeira e esta, por sua vez, é um dos possíveis desdobramentos da situação expressada no título dessa postagem: “Como lidar com casos cujas lesões da ATM são irreversíveis?”
Vamos lá. Vou responder com um caso clínico.
Caso Clínico – Tratamento da ATM com lesão irreversível
Paciente do sexo feminino, 40 anos, com queixa de cefaléia holocraniana (na cabeça inteira), duas a três vezes por semana, fazendo uso de medicação para controlar. A dor era descrita como pressão, amanhecendo já com a dor generalizada na cabeça, apresentando também um “inchaço” na área do zigoma direito (maçã do rosto).
Ao fazer as imagens de ressonância magnética (RM) das ATM, detectou-se ambos os discos deslocados e já com processo degenerativo bilateral que assustaram a paciente, pois o tratamento oferecido por mais de um profissional que ela consultou foi a cirurgia de ATM, conhecida como discopexia, que é um procedimento que recoloca o disco no lugar fixando-o com uma espécie de parafusos chamado de “âncora”.
Quando eu olhei as imagens, já sabia que eram lesões potencialmente irreversíveis, especialmente em relação ao disco. Assim, comecei a verificar o quão alterado estava o funcionamento da mandíbula e se era possível responsabilizar essas lesões pelos sintomas que ela se queixava.
Na imagem abaixo é possível ver como estava alterada a funcionalidade muscular durante a abertura e o fechamento da boca:
Os masséteres (em azul na figura acima) são bem conhecidos por serem potencialmente os músculos mais “fortes” do corpo humano, entretanto, nesta paciente, os masséteres estão sendo menos recrutados que os músculos temporais (em amarelo) que são responsáveis mais pela coordenação motora que pela força em si (até fazem força, mas em auxílio ao masséter). Pior, os músculos da ABERTURA da boca, os digástricos (em vermelho), que nem sequer deveriam fazer força no momento de fechamento/oclusão máxima da boca, estão funcionando na hora errada, trabalhando igual ou mais que os músculos principais!!!
Na coluna verde, é possível ver o digástrico direito sendo ainda mais solicitado que o masséter do mesmo lado e o temporal oposto!!! Ou seja, uma completa inversão dos papéis no funcionamento dos músculos!!!
Isso acontece pela presença de nocicepção intra-articular. A nocicepção é percepção e a transmissão de estímulos nocivos, isto é, dor, irritação ou, em alguns casos, a ameaça de uma lesão. Assim, se as lesões internas da ATM estão produzindo nocicepção, fibras nervosas especializadas levam os impulsos até o sistema nervoso central que ordena a inibição dos músculos elevadores, como o masséter e o temporal, que são os que aumentam a pressão sobre a ATM que está lesionada. Simultaneamente, aciona os antagonistas (como os digástricos) para aliviar ainda mais a pressão, pois a ação deles é a de abrir a boca. Em conjunto, o sistema nervoso está tentando controlar a pressão exercida pelos músculos nas ATM, para evitar ainda mais dano às estruturas internas.
Esses músculos que estão inibidos passam a ter menor fluxo sanguíneo, menor drenagem linfática e, consequentemente, menor oxigenação. O resultado costuma ser justamente a DOR.
Esta perda de mobilidade muscular leva à uma bradicinesia, termo médico para redução patológica da velocidade de movimentação. Na imagem a abaixo temos a velocidade (em milímetros por segundo) de abertura e fechamento da boca:
E em conjunto com os danos articulares também criaram uma limitação na amplitude de abertura:
Portanto, temos uma paciente com dores de cabeça que se explicam pela situação neurofisiopatológica que apresenta, com lesões potencialmente irreversíveis na ATM. Logo o objetivo do tratamento desta paciente será a obtenção de um “bom funcionamento”. Mas o que será esse bom funcionamento?
Recuperação do bom funcionamento da articulação temporomandibular
A recuperação do “bom funcionamento” da ATM será justamente a recuperação dos parâmetros funcionais alterados e, consequente melhora dos sintomas. Também será necessário trabalhar a questão da causa da lesão (que não é o propósito desta postagem discutir esse aspecto), do diagnóstico diferencial e do terreno, para poder entender a estabilidade de longo prazo do caso.
Bom, e assim foi feito…
A paciente teve seus músculos desprogramados, por meio de um processo eletrônico, com o objetivo de encontrar uma posição de baixa NOCICEPÇÃO intra-articular. Essa é invariavelmente uma posição DESCOMPRESSIVA da ATM. É com base nela que será construído um dispositivo intraoral (DIO – também conhecido como “plaquinha”, mas nesse caso, uma “plaquinha” única e construída exclusivamente para esta paciente com base nos dados obtidos através do processo eletrônico e na posiçào descompressiva da ATM) para manter a descompressão e assim permitir que os processos de reparação e cicatrização do corpo possam agir.
O resultado disso é o seguinte:
Observe que os masséteres (em azul) agora trabalham melhor durante o fechamento da boca (coluna verde), com mais recrutamento que os temporais, note que agora os digástricos só trabalham na hora certa, na abertura de boca (coluna lilás) e se mantêm em silêncio na oclusão. Como é para ser.
Isso restabelece o fluxo sanguíneo, a drenagem linfática e REDUZ ou ELIMINA a dor, como se pode ver na termografia abaixo:
Com a atividade dos músculos corrigida, a velocidade de movimentação mandibular também melhora, corrigindo a bradicinesia:
Isso implica uma melhor lubrificação interna da ATM, com redução da nocicepção e dos obstáculos ao movimento mandibular. Com isso, um ganho significativo da abertura de boca também ocorreu:
Por fim, temos um quadro onde não é possível recuperar os discos, mas é sim possível obter uma série de melhoras funcionais recuperando a neurofisiologia da ATM.
Quanto aos estalos, é preciso saber previamente se poderão ser eliminados com a descompressão e o realinhamento neurofisiológico da mandíbula. Estalos que ocorrem durante a mastigação, mas não ocorre na abertura e fechamento da boca, tem mais probabilidade de continuar estalando.
Se os estalos forem muito incômodos, é preciso re-analisar o caso e verificar as alternativas.
Fique esperto!
Bom dia Dr
Me chamo Jonas tenho 31 anos sou militar de carreira e a um ano convivo com o que acredito ser DTM. Eu não sei onde posso buscar mais ajuda pois passei com alguns dentistas e não tive melhoras. Tudo começou em um churrasco em dezembro de 2020 durante a mastigação de uma carne muito dura que deixou minha mandíbula um pouco cansada e meio que sem força como se estivesse fadigada, depois começou uma dor na bochecha direita com um leve inchaço e posteriormente a dor migrou para atrás do nariz até parar no palato duro e assim está a um ano. Tem horas do dia que a dor passa porém quando termino meu trabalho depois de um dia cansativo deixo a boca meio aberta e sindo a dor no palato e ao mesmo tempo no disco do maxilar e só melhora com o sono e as vezes a dor volta de deito de forma errada com o queixo tocando o peito . Achei esclarecedor o seu post e desculpa o relato .
Abraço
Olá Joana, que bom que gostou da postagem!
Te mandei um email perguntando sobre seu caso.
Atenciosamente,
Marcelo Matos
Meu Deus, descreveu o meu caso, tudo que ela sente e apresenta, eu tbm sinto. Como eu posso fazer para acabar com minhas dores e inchaço na face, justamente na maçã do rosto. queria uma solução pra isso.
Olá Matheus
Como você pode observar no caso apresentado acima, apesar das lesões intra-articulares de caráter irreversível, houve melhora substancial do ponto de vista neurofisiológico e funcional. No entanto cada caso necessita de um diagnóstico próprio e nem sempre os sintomas são oriundos de um mesmo diagnóstico, ou ainda, que determinado tipo de lesão seja decorrente da mesma causa (etiologia) e produza sempre os mesmos sintomas. Por isso é importante a avaliação de um especialista em Patologia da ATM.
Atenciosamente,
Ivson Catunda