Luz e enxaqueca fotofobia

Por Carolina Lenoir
Fonte: Correio Braziliense

Publicação: 13/09/2010 08:19
Belo Horizonte — O instinto de procurar lugares calmos e escuros quando se tem fortes dores de cabeça recebeu uma explicação científica. De 30% a 40% dos casos da crise de enxaqueca têm como fator desencadeador a exposição prolongada à luz intensa, de acordo com estudos coordenados pelo neurologista paranaense Elcio Juliato Piovesan, membro da Sociedade Brasileira de Cefaleia. No Brasil, 17% da população têm enxaqueca — 21% das mulheres e 8% dos homens, especialmente na faixa etária entre 16 e 42 anos. A proporção aproximada de três mulheres para cada homem deve-se, principalmente, às oscilações hormonais (em sua maioria do estrogênio) da mulher, comuns durante o período menstrual.

O médico explica que as pesquisas tinham o objetivo de fazer a conexão entre a fotofobia — uma sensibilidade excessiva à claridade — e a enxaqueca. “A ideia de que a enxaqueca causa apenas dor de cabeça é errada, porque existe uma série de outras manifestações clínicas, entre elas a própria fotofobia.” De acordo com Piovesan, existem dois cenários em que a luminosidade influencia a enxaqueca. “No primeiro, o paciente já está com dor de cabeça e a exposição à luz piora essa dor. No segundo, a luminosidade desencadeia a enxaqueca. Nesse caso, a relação é direta: quanto mais intensa é a exposição, mais forte é a dor”, diz.

No primeiro estudo, cerca de 60 pessoas foram divididas em dois grupos: um, formado por quem tinha enxaqueca; outro, por quem não tinha o problema. “Os grupos foram expostos aos mesmos níveis de intensidade de luz por um período de dois minutos. Quando se chegava a determinado nível, o grupo com enxaqueca relatava uma alteração na percepção de estímulos dolorosos, enquanto o outro não referia senti-la”, explica. Segundo o neurologista, foi possível chegar à conclusão de que o limiar de exposição à luz capaz de induzir uma primeira percepção da dor é menor no grupo de pessoas com enxaqueca.

“A luz é um estímulo externo que acentua a hipersensibilidade apresentada pelo paciente nos períodos de crise. A região do cérebro que é mais sensível às alterações é o lobo occipital, responsável por processar os estímulos visuais”, explica Piovesan. No caso de quem tem enxaqueca, a luz entra pelo olho por meio da retina (prolongamento do nervo óptico), segue para o centro cerebral que processa a dor (núcleo caudal do trigêmeo) e atinge o córtex somatosensorial, induzindo a dor ou facilitando outros centros de produção da enxaqueca.

Piovesan acrescenta que, durante as crises, o que se deve fazer é minimizar os estímulos que irão chegar até o cérebro. “Como os olhos e ouvidos são janelas para o cérebro, é preciso tentar ‘fechá-los’ o melhor possível. Por isso, pacientes procuram lugares escuros e quietos”, diz. Também são indicadas adaptações no dia a dia de quem sofre com as crises, como o uso de óculos de sol, mesmo que o dia não esteja intensamente claro, e de filtros para telas do computador, além da regulação das piscadas rápidas e incômodas da imagem do monitor, conhecidas como flickers.

O mais importante, porém, é tratar o paciente para que ele crie resistência a esses estímulos. Segundo o neurologista, o tratamento é feito por meio de medicamentos orais, chamados preventivos, entre eles neuromoduladores, betabloqueadores, antidepressivos e bloqueadores de canais de cálcio. “Em pacientes com crises mais frequentes, o tratamento tem que ser diário, não apenas na hora da enxaqueca. Para isso, são usados como critérios a intensidade e a frequência das dores. Os períodos são variáveis e individuais, mas, normalmente, o tratamento constante é indicado quando ocorrem mais de duas crises por mês ou quando elas são muito severas, associadas ou não à fotofobia.”

Entender o mecanismo dos 19 tipos diferentes de enxaqueca é importante não só pela incidência da doença na população brasileira, mas também pelo fato de seus graus mais altos interferirem diretamente na qualidade de vida e na produtividade dos pacientes. A enxaqueca moderada costuma ser desabilitante, ou seja, quem sente as dores precisa, por exemplo, se ausentar do trabalho durante os períodos de crise. A severa, por sua vez, pode ser altamente incapacitante e há casos em que pacientes precisam se aposentar, com perdas sociais, profissionais e, muitas vezes, familiares.
Deficientes visuais

Outro estudo, que complementou os resultados da primeira pesquisa, investigou a relação da enxaqueca com o estímulo visual luminoso em pessoas com ausência total ou parcial da visão. Nessa análise, avaliou-se a intensidade, a frequência, a duração e os sintomas associados à dor de cabeça. O estudo foi conduzido de maneira comparativa com um outro grupo de pessoas que não apresentava nenhuma anormalidade visual. Segundo o neurologista, os pacientes com deficiência visual também tinham enxaqueca, mas o que diferenciou esse grupo dos pacientes com visão normal foi o fato de as suas crises de dor serem menos intensas.

A explicação para esses resultados está no fato de os deficientes visuais apresentarem um input visual (janela para o cérebro) reduzido ou ausente, o que dificulta a sensibilização do cérebro durante as crises da enxaqueca. “A conclusão, portanto, é de que as crises de enxaqueca para um cego ou alguém com deficiência visual são de menor intensidade”, explica o médico. Por outro lado, 96,6% dos deficientes visuais estudados relataram que a fonofobia — sensibilidade ou aversão ao barulho — agrava a crise de enxaqueca. O neurologista explica, contudo, que essa não é uma especificidade de pacientes cegos, já que mesmo quem pode enxergar também apresenta essa sensibilidade.

FASES DA DOR

Premonitória
Período entre 6 horas e 48 horas antes do início da cefaleia, quando já aparecem sintomas como fotofobia, irritabilidade, extrema sonolência, lentidão mental, agressividade, irritabilidade
e inquietude

De aura
Manifestação clínica na qual o paciente apresenta alterações visuais que antecedem a dor de cabeça em até uma hora. A aura visual pode durar de cinco a 60 minutos

Cefaleia
A dor de cabeça da enxaqueca tem duração de até 72 horas nos adultos e de até 48 horas em crianças e adolescentes de até 14 anos. A cefaleia é pulsátil, unilateral, em 60% das situações; moderada a severa na intensidade e associada a náuseas e/ou vômitos, foto e fonofobia. Piora quando há muita movimentação

Recuperação
Depois da cefaleia, o paciente pode permanecer até 72 horas com lentidão mental, fraqueza, dores pelo corpo e mal-estar geral (como se fosse uma “ressaca da enxaqueca”)